Súmula 593 do STJ Comentada e Criticada
Súmula 593 do STJ Comentada e Criticada
Comentando sobre a súmula e seus argumentos:
"Não. A modernidade, a evolução dos costumes, o maior acesso à informação são aliados – e não inimigos – de uma necessária e crescente proteção a crianças e adolescentes, indispensável para que vivam, plenamente, o tempo da meninice, e não para que vivam o tempo de antecipar experiências da vida adulta."
O relator Rogerio Schietti Cruz foi moralista nas suas colocações, apesar de afirmar que não foi essa a intenção. Ele parece defender a tese do jovem assexual que precisa ter essa assexualidade protegida da corrupção sexual do mundo (algo bem puritano) ignorando que a espécie humana atinge a puberdade para se reproduzir, ou seja, fazer sexo. A puberdade aflora o erotismo para que as pessoas façam sexo. Por isso que jovens fazem sexo. Fazer sexo é sinal de saúde. Por que jovens com tesão não fariam sexo? Pode ser por falta de oportunidade, excesso de timidez, fobia social, etc. A falta de sexo pode indicar problemas. O Direito Penal não protege nada. Direito penal pune. A criminalização do sexo consensual não protege o jovem. Pelo contrário, o desprotege e o vulnerabiliza porque o leva a viver sua sexualidade na clandestinidade, violando a proteção integral e direitos fundamentais. O Direito Penal deveria respeitar a puberdade.
"A Defensoria Pública, em sua manifestação de fl s. 339-360, invoca o princípio da adequação social para justificar (e despenalizar) a conduta do réu. Para tanto, lembra que “a mãe da vítima casou-se com 13 anos, conforme anotado no Acórdão ora vergastado” (fl . 355). Nesse sentido, ressalta que “na comunidade em que Recorrido e a menor estão inseridos, a relação sexual praticada com menores de 14 anos é aceita, desde que o propósito seja o de constituir matrimônio” (fl . 355). Destaca, por fi m, que houve pedido de soltura do acusado, assinado pela população do povoado, o que deixou claro “seu papel de homem trabalhador, sério e interessado em constituir família” (fl . 355), que servia como abonador de suas práticas sexuais com a menor"
Uma defesa que corre é invocar o princípio da adequação social para justificar (e despenalizar) a conduta do réu. Eu apontaria a adequação biológica já que as relações sexuais ocorrem geralmente com pessoas que atingiram a puberdade. E isso não é por acaso já que a puberdade aflora o erotismo para as pessoas se relacionarem sexualmente. É a chegada da primavera. Há jovens inclusive que fazem o popular "troca-troca" ou "meinha".
"Ao concluir, acentuam-se os riscos à saúde a que estão submetidas crianças e adolescentes que cedo ingressam na vida sexual, particularmente porque, dada a falta de informações, estão mais vulneráveis a doenças sexualmente transmissíveis. Por fim, deixa claro que o estabelecimento de idade mínima para que a adolescente possa livremente consentir ao ato sexual é algo presente na generalidade dos países da América Latina."
Uma criança que brinca ao ar livre corre mais risco de se machucar, mas não vejo ninguém dizer que uma criança deva viver presa. Por que sexo tem que ser tabu? Como já eu disse a espécie humana atinge a puberdade para acasalar. Mesmo sendo crime muitos jovens fazem sexo. Por que uma pessoa com tesão não faria sexo? Falta de oportunidade? Excesso de timidez? Fobia social? Esses e outros possíveis problemas que podem acometer quem é casto não são citados pelo ministro Rogerio Schietti Cruz. A criminalização pode até incentivar o sexo de acordo com a filosofia do "proibido é mais gostoso" e precariza a saúde. Há um estímulo erótico nas proibições e, no geral, as pessoas tendem a valorizar o que é difícil.
É a mentalidade do relator que favorece a falta de informação e cuidado com a saúde. Se o sexo consensual é crime, a jovem não vai buscar a orientação médica para cuidar da sua saúde e ainda vai correr riscos desnecessários para viver sua sexualidade. Com a criminalização fica mais difícil orientar e cuidar desses jovens. Não é à toa que médicos especialistas fizeram palestras criticando a lei que criminaliza sexo antes dos 14 anos. Faltou sensibilidade do relator ao não compatibilizar o ECA com o CP, reduzindo a idade de consenso de 14 para 12, como defendida por importantes juristas. Assim se poderia garantir melhores cuidados para os adolescentes de 12 e 13 anos.
"De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e emocional do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.), compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal."
Diferentemente do afirmado pelo ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, antes da idade de 14 do Código Penal de 1940. havia a idade de 16 e anterior a esta, a idade de 17, focada em punir quem tirava a virgindade das moças sem casar. A preocupação com criança não é recente. No século XIX a idade de consentimento comum no mundo era 10 anos. Até que houve a histeria puritana para preservar a pureza sexual e genética das jovens mulheres. A escravidão tinha acabado e os brancos não tinham como punir negros por se envolverem com jovens brancas e também havia a prostituição. A idade de consentimento sexual na Inglaterra foi, então, elevada de 10 para 16 e nos EUA de 10 para 14/16/18, para preservar a pureza sexual e genética da jovens mulheres brancas, prendendo homens negros que se envolviam com elas e forçando casamentos entre brancos.
O senhor ministro Schietti Cruz ignorou a parte citada da história, também ignorou a realidade biológica. O ser humano atinge a puberdade para fazer sexo. É para isso que serva a própria puberdade. Há a tendência natural ao sexo e a legalidade é essencial para garantir direitos sexuais e reprodutivos para os jovens, como prevê a OMS (Organização Mundial de Saúde). Qualquer moça de 12 e 13 anos faz sexo se quiser. Por mais que seja crime, vai haver homens interessados e a puberdade trabalha para isso. O que deve ser feito é descriminalizar o sexo consentido para que o próprio consenso seja zelado e que o jovem não precise correr riscos desnecessários para viver sua sexualidade. A criminalização leva o jovem a viver na clandestinidade, correndo riscos desnecessários e tendo sua saúde precarizada.
"É de conhecimento geral que meninas que se casam em tenra idade – ainda que por opção e consentimento –, são impedidas (também pelos costumes, ou pela própria realidade) de estudar e exercer atividades infantis, para poder gerar filhos e cuidar da pesada carga de afazeres domésticos."
O STJ perdeu a chance ímpar de dizer que sexo consensual não implica casamento ou ter filhos. A criminalização do sexo consensual (e mesmo do estupro) é usada historicamente para forçar casamentos (por isso que nas leis há a exceção do casamento nos crimes sexuais). A mentalidade dos puritanos era preservar a "pureza sexual e genética" da jovens brancas, assim a lei era usada para forçar casamentos entre brancos e prender negros que se envolviam com jovens brancas.
"Ora, a conduta imputada ao recorrente não é apenas imoral e muito menos é aceita como algo dentro da “normalidade social”, a não ser que admitamos que o Direito Penal deva adaptar-se a tantos quantos forem os costumes e a moral de cada uma das microrregiões desse imenso país, o que, a par do nonsensejurídico que subjaz à ideia, consubstanciaria verdadeiro caos normativo, com reflexos danosos à ordem e à paz públicas. Ademais, o afastamento do princípio da adequação social aos casos de estupro de vulnerável busca evitar a carga de subjetivismo que acabaria marcando a atuação do julgador nesses casos, com danos relevantes ao bem jurídico tutelado – o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes – o qual, recorde-se, conta com proteção constitucional e infraconstitucional, não sujeito a relativizações. Com efeito, a aclamada aceitação do relacionamento, por parte da comunidade em que vivem os envolvidos, desprotege a vítima e lhe retira as garantias insculpidas no texto constitucional (art. 227 da CF), bem como na Lei n. 8.069/1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 3º e 4º)."
Quem define “normalidade social”? Uma elite? Que já apoiou escravidão, casamento forçado, punição para homossexuais etc.? A sociedade é diversa e a ideia de cultura superior ou correta só serviu para oprimir o povo na história. O estado é laico e num estado laico deve-se buscar a compreensão dentre as culturas para uma sociedade mais pacifica e justa. Não se pode ficar à mercê de uma cultura de elite, que hoje é altamente influenciada pela cultura americana, que foi altamente influenciada pelo puritanismo. Como já dito, a criminalização do sexo consensual desprotege o jovem porque o leva a viver sua sexualidade na clandestinidade. O relator Rogerio Schietti Cruz não deveria ignorar que a puberdade aflora o erotismo para as pessoas se relacionarem, portanto, a prática sexual faz parte do seu desenvolvimento normal e é sinal de saúde. Cabe ao Estado garantir a legalidade da prática sexual como parte essencial da proteção integral. É preciso garantir direitos sexuais e reprodutivos plenos como proteção integral.
"A tentativa de não conferir o necessário relevo à prática de relações sexuais entre casais em que uma das partes (em regra a mulher) é menor de 14 anos, com respaldo nos costumes sociais ou na tradição local, tem raízes em uma cultura sexista – ainda muito impregnada no âmago da sociedade ocidental, sobretudo em comunidades provincianas"
Se não fosse pelo machismo, ninguém se importaria com sexo. Mesmo a lei valendo para ambos os sexos. As denúncias geralmente ocorrem em caso de relacionamentos heterossexuais/homossexuais de garotas e homossexuais de garotos. É muito menor probabilidade de denúncia em casos de relacionamento sexual de garotos com mulheres mais velhas. A lei criminalizadora é usada principalmente contra minorias sociais. Homens desprivilegiados socialmente são mais denunciados. Quase ninguém quer denunciar uma mulher. Não faz sentido o relator falar em sexismo contra mulher sendo que quem é mais denunciado é o homem! E o machismo é caracterizado pela repressão sexual sobre a mulher e não por um suposto incentivo ao sexo.
[1] SÚMULA N. 593, Terceira Seção, julgado em 25/10/2017, DJe 06/11/2017 Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz
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